Falácias de uma tola

sábado, setembro 15, 2007

Carta suicida

Calma, não é a minha, eu apenas estava aqui pensando sobre o suicídio, não sobre o ato em si, mas sobre essas famosas cartas que deixam.
A carta suicida é a chance do sujeito se explicar. Acredito que ele não quer que pensem que tirou sua própria vida à toa. Ele se justifica "olha como minha vida era ruim! olha o que eu sofri todo esse tempo!" Ele quer apoio, quer acenos com a cabeça.
Nunca li uma carta suicida, a não ser a de Getúlio com seu final tão recitado "saio da vida para entrar para a hitória". Claro que ele entraria para a história, era presidente, a história do Brasil está repleta dele. Suicida normal não entra pra história, nem com cartas geniais, nem com suicídios incríveis que param a cidade, como um homem que se jogou nos trilhos do metrô meses atrás. Em plena a estação da Carioca, no centro do Rio, às 5h da tarde. Os trens pararam por horas até 'sugarem' os restos do tal homem dos trilhos. Na imprensa, "metrô parado por problemas na estação Carioca complicam o trânsito na cidade", algo assim. Não é uma regra das mídias, mas há uma espécie de consenso geral, uma ética no que envolve esse assunto e ninguém noticia.
Mas que seja, não era disso que eu pretendia falar. Falaria apenas das cartas.
Pensava sobre a estrutura duma carta suicida. Escreveria uma pra ver como ficaria, mas achei muito mórbido.
Então de um modo geral, acho que funciona assim.
O primeiro passo é uma introdução poética, meio vaga. "Hoje, dia tal, não encontro mais saídas. Os dias se sucedem e nada muda, eu acordo a contra gosto e vejo que tudo continua igual."
Acredito que mesmo sendo uma introdução, não se apresenta o motivo da carta nessa parte ainda. Mantém-se o suspense pro final.
Na segunda parte, o desenvolvimento, o iminente suicida expões seus motivos, conta um pouco sobre sua vida e sensibiliza o leitor. Nesse momento pode até ter uma passagem feliz, uma lembrança boa que justifique ele ter adiado o ato. "a vida foi boa por um tempo, houve momentos inesquecíveis como no nascimento do meu filho, o dia mais feliz da minha vida. Foi por ele que agüentei todo esse sofrimento até aqui."
Aqui é o momento dele acabar com a expectativa, na terceira e última parte, ele diz o que pretende fazer, talvez como, se justifica, dá alguns conselhos e se despede.
Esse final varia de acordo com o motivo da morte, se for doença será nobre, ele diz que vai escolher o dia da morte, que não esperará sentado e morrerá com dignidade. Se for crise existencial, será apático, desesperançado. Se for por amor, terá culpa atribuída à alguém.
A conclusão também é um pouco poética, deve emocionar quem lê com um 'grand finale', tipo o do presidente. "vou acabar com tudo, não há nada que me prenda aqui, nada que justifique essa angústia diária, já não vejo esperanças. isso não é vida, não estou dando fim a nada que valha à pena. Nesse momento, com a morte já me corroendo por dentro, eu digo que continue vivendo. Faça melhor do que eu e lute para que sua vida tenha razão. Tente ser feliz a cada dia como eu não pude ser. Amanhã já não me levantarei nesse mundo, é o fim, mas talvez um novo começo pra mim. Adeus."
A idéia da carta é ter com quem compartilhar o feito, como um vilão que, no final, frente à frente com o mocinho, conta tudo que fez e como foi genial todo o plano. Não teria graça sem essa parte, sem ninguém saber. Acho que é isso que passa na cabeça do suicida, "e aí? vou morrer, ninguém vai entender nada, vão achar que sou maluco!! tenho minhas motivações, ora!!!" Ele precisa contar seu plano.
O suicídio, pra mim, é o ato mais bizarro que o ser humano pode cometer, isso mesmo, até mais do que tirar a vida de outro. E a carta suicida é a narração dessa bizarrice. Conclusão rápida, concisa, resumida.